Olá, tudo bem?
Você sabia que o sangue de pessoas brasileiras pode gerar mais lucro para a indústria farmacêutica do que o sangue europeu? Ou que parte do sangue que você doa em bancos de sangue privados pode estar indo para o lixo? Essas foram algumas das descobertas da reportagem especial "Sangue, Plasma e Dinheiro: Quem sai ganhando com a PEC do Plasma" publicada na última quinta-feira na Agência Pública.
A reportagem é resultado de mais de um mês de investigação em que eu e meu colega Ed Wanderley nos debruçamos sobre dois temas pouco cobertos pela imprensa, mas que têm influência direta em nossas vidas: a gestão do sangue no Brasil e o lobby da indústria farmacêutica no Congresso Nacional.
O fio condutor da investigação foi a Proposta de Emenda à Constituição 10/2022, apelidada de PEC do Plasma, que foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ) em outubro. Queríamos entender por que esse tema estava sendo colocado em pauta agora no Congresso Nacional e os interesses por trás deste projeto. E fomos além.
Ouvimos mais de 30 pessoas, entre políticos, técnicos, cientistas e pacientes, favoráveis e contrários à PEC. Caso seja aprovada, a PEC irá fazer mudanças na Constituição para permitir que a iniciativa privada explore o plasma humano – um componente valioso do sangue usado para produzir medicamentos para o tratamento de doenças imunológicas.
Quando iniciamos a apuração em meados de outubro, dias depois da aprovação do texto na CCJ, a Associação Brasileira de Bancos de Sangue (ABBS) já havia se manifestado publicamente a favor da PEC. Às vésperas da votação, inclusive, a entidade patrocinou anúncios em sobrecapas de grandes jornais do país defendendo a proposta.
O interesse dos bancos de sangue privados é o de ganhar dinheiro com a venda do plasma que não é utilizado nas transfusões de sangue. Por lei, os bancos de sangue têm a obrigação de enviar o excedente dessas doações para a Hemobrás (Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia). Descobrimos ao longo da apuração que o excedente dessas doações de sangue está sendo jogado no “lixão”, nas palavras do próprio presidente da ABBS, Paulo Tadeu de Almeida.
Do plasma é extraída a matéria-prima para a produção dos hemoderivados. É na imunoglobulina retirada do plasma, por exemplo, que ficam contidos os nossos anticorpos. Ela é usada na produção de remédios para diversas doenças que vão de problemas de coagulação a câncer ou aids. E é aí que entra o interesse da indústria farmacêutica na PEC do Plasma.
Quando começamos a ouvir os senadores, outro nome além da ABBS surgiu como “forte interessado na PEC”: a Blau Farmacêutica. Enquanto a associação admitiu ter feito lobby junto aos parlamentares, a empresa nega.
A Blau Farmacêutica é a única empresa brasileira, além da Hemobrás, com registro na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para produzir e comercializar imunoglobulina humana (igg 5g). Além disso, recentemente, a Blau adquiriu participação de uma fábrica de processamento de plasma nos Países Baixos, sendo também a única brasileira no mercado fracionador. Mas ela não é a única que está de olho no sangue do povo brasileiro.
Um estudo realizado em 2021 no exterior identificou que nosso sangue tem mais durabilidade e rendimento maior de imunoglobulina do que o do mercado europeu e, por isso, pode gerar mais lucro para a indústria farmacêutica. Cada grama de imunoglobulina extraída vale cerca de 40 euros (cerca de R$ 210) e leva nada menos que oito meses para ser coletada, transportada, fragmentada, processada, refinada e envasada na forma de medicamentos.
A pesquisa, feita pela suíça Octapharma, identificou que o plasma brasileiro rende 4,8 g de imunoglobulina por litro, 37% a mais do que a média padrão de 3,5 g do mercado europeu, que chega apenas a 4,5 g em casos "excelentes". Um ano depois dessa descoberta, a PEC do Plasma foi protocolada pelo senador Nelsinho Trad (PSD/MS).
Na reportagem, tentamos mostrar todos os dados e lados relevantes para que você entenda esta proposta. É um assunto pouco debatido na sociedade em geral, mas que pode afetar a todos nós. Por isso, merece o olhar investigativo da Pública e a atenção dos nossos leitores.
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Um abraço,
Alice Maciel
Repórter da Agência Pública em Brasília |
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